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FILME E HISTORIA
30 juillet 2013

CINEMA E HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES DE UM OBJETO DE ESTUDO

CINEMA E HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES DE UM OBJETO DE ESTUDO.



WILLIAM REIS MEIRELLES*

 

RESUMO: Este artigo trata o cinema enquanto manifestação do imaginário social e a sua importância como fonte para o estudo da história e sua utilização como recurso didático.

UNITERMOS: cinema, história, imaginário social, ensino de história.

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Introdução

 

Este trabalho pretende propor a reflexão algumas questões que estão presentes em uma historiografia produzida por pesquisadores que estudaram o cinema, dentro de uma perspectiva teórico-metodológica da História e que ultrapassa a visão positiva dos chamados historiadores do cinema. Não será uma revisão da bibliografia sobre a temática, mas reflexões a partir dos trabalhos do historiador francês Marc Ferro, um dos iniciadores dos estudos do cinema como fonte de pesquisa para a História.

O estudo do cinema na ótica proposta constitui-se em um campo vasto e muito pouco explorado, trataremos aqui apenas alguns aspectos com o intuito de levantar questões sobre essa fonte que poderá nos levar a conhecer e compreender o passado e seus vínculos com o presente. O cinema é uma forma de narrativa, que a memória conservou e compôs, mas sem identificá-las como as únicas que secretam a verdade histórica (FERRO, 1989:123).



1. O CINEMA E SUA ORIGEM



Estudar o cinema sob o olhar da História requer, inicialmente, especular a propósito do próprio objeto de estudo. O primeiro passo, assim pensamos, é conhecer o momento histórico do seu surgimento como inovação tecnológica no contexto das transformações presentes na sociedade na década de 1890.

[p.42]

Assim, procuraremos compreender o seu significado no universo das criações humanas próprias do campo da prática cultural e da produção cultural que, sem dúvida, constituem e engendram as relações políticas, econômicas e sociais.

O cinema surge em 1895 no bojo das criações de uma sociedade que passa por um processo de profundas transformações tanto nos seus aspectos tecnológicos como nas suas formas e modos de pensar. O cinematógrafo - denominação primeira de nosso objeto de estudo - mantém muitos pontos em comum com as inovações surgidas em seu tempo, compondo e desempenhando um papel de relevância na mentalidade que revolucionava o mundo no fim do século.

Como criação mecânica o cinema mantém pontos comuns com o telégrafo, ambos revolucionaram o campo das comunicações promovendo transformações radicais no significado das relações espaço-tempo.

Para alguns estudiosos, como Benjamin, ele é base tecnológica e produtivamente mais avançada de um processo de extensão da área de influência do espetáculo, assim como técnica de reprodução no sistema das artes tradicionais; é, também, repositório de técnicas, procedimentos e temas das “salas de progresso” e das exposições universais.

Na mesma época em que o cinema estava sendo desenvolvido como técnica de registro e reprodução de imagens em movimento, um pensador, Henri Bergson, estudavam os mecanismos de funcionamento da memória humana (BERGSON:1). Cinema e memória mantém entre si muitos pontos de contato, mantém semelhanças profundas nas suas formas de constituição, especialmente no que diz respeito às significações de espaço e tempo; este é construído à partir da visão que se registra do acontecimento em que os estados não estão cronologicamente situados; o espaço une e comprime elementos isolados nem sempre registrados a partir de locais e pontos do espaço verdadeiro e real.

O cinema, ainda sob uma ótica de ordem intelectual, foi para os primeiros estudiosos da psicanálise um sistema de relações que unia o inconsciente individual ao consciente coletivo - o que é objeto da psicanálise - foi visto como uma experiência onírica.

Diversos inventores contribuíram para a criação do cinematógrafo - Plateu, Marey, Demeny, Edison, Pathé - mas, foram os irmãos Lumière que lhe deram a forma final, ou seja, construíram uma máquina capaz de registrar e projetar imagens em movimento. A primeira exibição pública desse invento, com cobrança de ingressos, ocorreu em Paris em 28 de dezembro de 1895.

Os primeiros filmes exibidos : La sortie des Usines Lumière (A saída dos operários da fábrica Lumière), L’arrive d’un train en gare de la Ciotat (A chegada de um trem na estação de Ciotat) - demonstravam uma preocupação de seus criadores em registrar no filme cinematográfico as imagens da vida cotidiana na cidade. O caráter desses primeiros filmes era puramente documental, os autores tinham como meta captar através da câmara representações do real jamais captadas com tanta fidelidade por outros meios. É como reprodução bastante fiel do real que a imagem desempenhou primeiro um papel no cinema.

Para o historiador, esses filmes constituem-se de testemunhos bastante preciosos, os registros dos fatos “corriqueiros”: o trem, a estação, os viajantes, a fábrica, o cidadão comum no seu cotidiano, seus trajes e gestos, a rua e a multidão. Essa importância não está limitada apenas ao que está aparente, o que é visível, mas também pelo que não está visível, pela mentalidade que contém de uma determinada época, e lá está a idéia de progresso (o trem, a fábrica), a presença das multidões anônimas (os operários, os viajantes) e o próprio invento, o cinematógrafo, como expressão da modernidade em uma sociedade que se transforma.

Se com os irmãos Lumière o cinema assumiu a sua forma documental através dos primeiros registros estáticos, foi através de George Méliès em um acaso acidental ao descobrir o que conhecemos hoje como trucagem, que surgiu o cinema espetáculo, a possibilidade de se realizar a montagem do filme, ou seja, juntar imagens rompendo com a linearidade cronológica da realidade.

Méliès foi o fundador da primeira empresa para produção de cinematográfica (outubro de 1896), a qual chamava de manufatura de filmes para o cinema - Star Films - e cujo o lema era “o mundo ao alcance de suas mãos”.

Em sua existência a Star realizou 450 filmes, sob uma temática variada estabelecendo os campos de incursão do cinema nos mais diversos gêneros da ficção. Essa produção vai desde reconstituições de acontecimentos da época - O caso Dreyffus (1889); passando por filmes históricos - Joana D’Arc (1900); pela literatura - Robinson Crusoé (1902) e até pela ficção científica - Viagem à Lua (1902) baseado na obra de Júlio Verne.

Este breve relato não tem por objetivo traçar uma história do cinema no seu início, mas mostrar que desde o seu nascimento ele demonstra ser um potencial suporte de registro de memória, tanto na sua forma documental, como pelo imaginário que contém na forma de ficção, portanto, uma fonte importante para o historiador que pretende conhecer e compreender o passado recente.

2. MARC FERRO E O CINEMA COMO FONTE

O cinema é uma invenção quase centenária, no entanto, a sua utilização como fonte para a história é muito recente; os primeiros trabalhos datam de 1973 com a publicação dos primeiros artigos de Marc Ferro.

O historiador iniciou as suas pesquisas quando fazia um filme histórico sobre a Primeira Guerra Mundial. Foi realizando esse filme e aprofundando seus conhecimentos em cinema que Ferro constatou que as imagens

“... eram diferentes dos livros que tinham lido, ainda que fossem sobre a mesma história. Logo havia duas versões para a história. Não somente para árabes e franceses, mas também para textos e imagens” (FERRO, 1987).

É, portanto, recente a preocupação do historiador dirigir-se a campos inexplorados - como: ciência, técnica, folclore, literatura, mentalidades, espetáculos, cinema etc. - buscando investigar as sofisticações que tradicionalmente estão à margem do que era considerado o centro da História, mas que incidem no viver em comunidade, regulando seus comportamentos e mudanças, direta ou indiretamente, e que estão ligadas aos sistemas de representação do homem, da natureza e da sociedade.

“O que caracteriza o cinema não é apenas o modo pelo qual o homem se apresenta ao aparelho, é também a maneira pela qual, graças a esse aparelho, ele representa para si o mundo que o rodeia” (BENJAMIN:189).

Sob este aspecto o cinema, especialmente filmes de ficção, é um poderoso portador de imagens produzidas que contribuem para uma determinada consciência histórica, imagens que a sociedade tem de si mesma e de seu passado.

O filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção é História. Aquilo que não aconteceu, as crenças, as intenções, os desejos, o imaginário do homem são tão História quanto a História.

Uma das questões que se coloca logo de início em relação a utilização do cinema como fonte é de que maneira as representações da sociedade mantém pontos de contato com o discurso histórico escrito. Podemos observar que nos filmes refletem-se com modificações variáveis as grandes visões que dominam a vida da sociedade, exemplo especial é o do cinema americano.

Marc Ferro, para demonstrar essa afirmação, em “Estados Unidos: cinema e consciência da história” (FERRO, 1989: 69-75) divide o cinema americano em quatro grandes grupos, “estratificações”: os filmes de tradição anti-hispânica; aqueles que tratam da história passada; os que encarnam o espírito da conciliação nacional; e os que apresentam uma visão crítica da sociedade (filmes de minorias: negros, índios, imigrantes, etc.).

O estudo e a análise do cinema americano por Ferro, acabou por demonstrar que a relação entre a visão da história que difunde o saber tradicional e a que é enunciada pela representação dos filmes não concordam necessariamente. Um exemplo pode ser encontrado nos filme de pirataria (The Sea Hawk) onde os homens de origem anglo-saxônica são bons, bonitos, leais e honestos enquanto os de origem hispânica (imigrante) são sempre os maus, os desonestos e os atrasados; é uma visão que reitera o mito da raça superior (WASP - White Anglo-Saxon and Protestant). Esses filmes mostram os lapsos, os silêncios, que a história institucional, aquela dos manuais escolares, oculta e omite da memória histórica.

“Um filme sobre o presente pode analisar melhor o passado do que uma obra dita histórica”(FERRO, 1989: 66.). Ele não é apenas história, mais precisamente é um filme de contra-história, seja de ficção ou não, pois suas imagens são sempre ultrapassadas pelo seu conteúdo aparente, essas imagens não são uma simples representação do real porque ultrapassam aquilo que o autor julga ser a realidade.

Como contra-história o filme se constitui forma privilegiada, não nos grandes sucessos de bilheteria, mas os que são realizados com poucos recursos, permitindo a grupos minoritários “tomar a palavra”. Com o advento da câmara de vídeo portátil essa possibilidade multiplicou-se infinitamente, tornando acessível à organização de minorias, realizadores independentes e a própria sociedade registrar sua memória em imagens, “escrever” sua obra de contra-história.

3. FILME DE FICÇÃO CIENTÍFICA: UM EXEMPLO

O filme é um campo de estudo privilegiado não só apenas para o historiador analisar o passado, mas também no que diz respeito ao apareciamento de uma visão da história tal como o futuro esboça-a (FERRO, 1989:75).

Um gênero de filme, o de ficção científica, tornou-se um portador por excelência do imaginário que esboça o futuro. Uma imagem, pelo seu caráter insólito, que provocou um grande impacto nos espectadores que assistiram o filme “O Planeta dos Macacos” (1968) foi aquela do encontro, pelos astronautas, da estátua da Liberdade semi-enterrada na paisagem desértica, era a certeza dos personagens sobre a destruição de Nova York.

O impacto provocado por essa visão catastrófica do futuro está presente em nosso imaginário, especialmente com ênfase maior após a eclosão e difusão dos movimentos ecológicos.

O filme “Day After” ( O dia seguinte - 1983) constitui uma visão do mundo após o caos de guerra nuclear; feito para a televisão não tinha pretensões ao sucesso comercial, mas pela forma como os autores “imaginavam” o futuro, pelas questões que colocavam (o “acidente” levando à guerra e suas conseqüências), o filme acabou por atrair a atenção mundial.

O alerta que os movimentos ecológicos têm levantado, questionando a ideologia do progresso e as relações do homem com a natureza, levou a sociedade a construir um imaginário onde o mundo aparece à beira de sua própria destruição. Esse imaginário está presente em vários filmes realizados nos anos 80; não como tema fundamental da história mas emoldurando-a como cenário. Os personagens de “Blade Runner”, “Mad-Max”, “Runnig Man” ou “Fuga de Nova York” andam e trafegam por cidades em ruínas; convivem ao mesmo tempo com máquinas da tecnologia mais avançada em cidades ou lugares sujos, sombrios e nebulosos.

4. CINEMA HOJE: NOVAS QUESTÕES

Nos últimos vinte anos, com o advento do videotape e do videocassete, o cinema multiplicou o seu universo de influência ampliando o seu campo de destinação inicial que era a exibição apenas em salas apropriadas para esse fim.

A televisão, hoje, mostra-se o meio mais prioritário para difusão do cinema, basta olhar os suplementos dos grandes jornais para se constatar o espaço que os filmes ocupam na programação televisiva; somente nas grandes redes de TV (VHF) são exibidos em média, semanalmente, 60 filmes de longa-metragem.

Com o videocassete o cinema alcança o “status” do disco, do livro, cada qual pode ter em sua casa sua “videoteca” particular.

O mercado de cinema está voltado, hoje, para o videocassete; essa expansão estimulada especialmente pelas locadoras de vídeo coloca para o historiador nova questão a ser estudada. O espectador através dos recursos de videocassete pode manipular o filme de diversas maneiras: voltando as imagens, repetindo seqüências, congelando quadros, alterando o tempo através da câmara lenta e tudo que a imaginação de cada um puder criar dentro dos limites técnicos do aparelho.

Bibliografia

1. BENJAMIN, Walter - “A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução” in: Textos Escolhidos; São Paulo: Abril Cultural, 1983. Col. Os Pensadores.

2. BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

3. FERRO, Marc - A História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

4 FERRO, Marc. Entrevista in: Folha de São Paulo, de 12.08.1987, p. A-36.



* Professor do Departamento de História - Universidade Estadual de Londrina - Campus Universitário - Londrina - PR - 86051-970

OBS.: Datas e títulos de filmes foram extraídos do guia VÍDEOS da Nova Cultural, 1989.

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